Um homem, referido como ‘o estudante de chinês’, se envolve num estranho imbróglio quando se preparava para embarcar para China no mesmo voo de uma de suas antigas professoras desse idioma. Detido por um delegado da Polícia Federal, desanda a desfiar toda uma série de preconceitos tenebrosos – contra negros, árabes, judeus, gays, pobres, gordos -, prejudicando-se ainda mais aos olhos da lei. Acontece que esse ‘estudante de chinês’, sujeito que chegou a trabalhar no mercado financeiro, é um típico personagem da nossa época – leitor de revistas semanais, comentarista de blogs (onde vitupera em caps lock contra as minorias), com um saber supostamente enciclopédico (graças à Wikipedia) e um ethos reacionário, parece encarnar um tipo anti-intelectual que iria ganhar força graças ao espaço relativamente livre da internet. Mas a confusão em que o personagem de Bernardo Carvalho se envolve é apenas a ponta do iceberg – o próprio delegado tem uma estranha história envolvendo paternidade, assim como uma de suas colegas, uma agente infiltrada numa igreja neopentecostal. Sem falar na própria professora de chinês, que está tentando retornar à China para replicar, através da vida de uma menina órfã, a sua própria infância devastada. São personagens, vigorosamente construídos pelo autor, às voltas com suas próprias buscas de identidade e procura por um sentido. Enquanto o estudante de chinês embarca numa espécie de delírio, o mundo à sua volta parece igualmente destituído de um sentido maior. Porque cada um tem sua versão da realidade. E é do choque dessas diversas versões que ‘Reprodução’ ganha força e profundidade, sem abdicar da fluência e do humor corrosivo. É deste modo, trazendo à tona uma série de ‘reproduções’ – do discurso da imprensa aos sites da internet, da reprodução sexual à própria imitação da vida – que este romance poderoso do início ao fim ganha relevância.
Reprodução – Bernardo Carvalho
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