No dia 3 de novembro do ano que se contou 1659 da graça e nascimento de Nosso Senhor
Jesus Cristo, a leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro estava em grande alvoroço.
Não era a então nascente capital, sossegada e pachorrenta, como a grande corte em que se
transformou. Se não mente a crônica, tinha naqueles tempos afonsinhos o gênio trêfego, e um sestro
de intrometer-se com as cousas da governança para não deixar que os oficiais d’El-Rei lhe
tosquiassem muito cerce o pêlo e a bolsa.
Promovida a corte, lembrou-se no princípio alguma vez da balda antiga; mas com a vida
palaciana, breve esqueceu de todos os ardores da juventude, e aquelas desenvolturas de rapariga.
Agora dá-se a respeito. Já não é a carioca faceira e petulante, de saia de crivo e olhos
brejeiros, estalando castanholas ao som do fadinho. Fez-se dama; traz anquinhas, e arrasta a cauda
com donaires de matrona.
Sete horas acabavam de soar na torre do mosteiro, e apesar do muito cedo o povo enchia as
poucas ruas que formavam naquele tempo o âmbito da cidade, ainda conchegada às abas do Outeiro
de São Januário, que a protegia com seu castelo roqueiro.
Onde porém mais alvoriçava o arruído era no Rossio do Carmo, nome que tinha então nos
livros da vereança o Largo do Paço, ao qual não obstante a arraia-miúda continuava a dar a alcunha
de Terreiro da Polé.
Golpes de gente azoinada e assustadiça borbotavam uns após outros da Rua Direita e Beco
dos Barbeiros, mas sobretudo das bandas da Misericórdia, Castelo e Ajuda, área onde mais se
condensava o povoado.
O Garatuja – José de Alencar
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