Embaralhando ficção e realidade – os dados biográficos do narrador do romance coincidem em grande parte com os do autor –, Cercas agarra à unha aqui o tema da solidão do escritor diante do caos irredimível do mundo. Como encontrar uma voz própria em meio a essa algaravia? Como enunciar algo que não acrescente simplesmente ruído ao ruído?
O enredo de A velocidade da luz, grosso modo, é a relação entre um escritor espanhol e um veterano norte-americano da guerra do Vietnã, Rodney Falk, que ele conheceu na Universidade de Urbana, uma cidadezinha próxima a Chicago. Com base em suas lembranças de Falk e nas cartas que este mandava do front ao pai, o escritor/narrador pretende entender os enigmas do amigo americano e produzir um livro a respeito.
Assim como em Soldados de Salamina, a história narrada é também uma discussão sobre a tentativa de narrá-la. Como quem monta um quebra-cabeças infernal, o narrador busca reconstituir a trajetória de um homem dilacerado pelos horrores da guerra para dar a ela algum sentido. A tarefa, desde logo, é impossível, mas, como se diz a certa altura do romance, só merecem ser contadas as histórias que não se pode contar.
Com espantoso domínio literário, entrelaçando com maestria a ação e a reflexão, Cercas nos conduz do interior da Catalunha ao interior de Illinois, de Barcelona a aldeias vietnamitas, saltando as décadas para a frente e para trás, sempre fazendo de conta que ainda está à procura da melhor maneira de dizer o que tem a dizer. O resultado é um livro fascinante e perturbador, em que a arte de narrar encontra ao mesmo tempo seu questionamento mais agudo e sua mais alta expressão.
A Velocidade da Luz – Javier Cercas
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