Inéditas no Brasil até agora, essas Pequenas tragédias de Aleksandr S. Púchkin, tido como “pai” da literatura russa, em tradução de Irineu Franco Perpetuo, vêm preencher uma lacuna na dramaturgia traduzida e divulgar mais uma faceta desse escritor plural e tão marcante para os rumos da literatura russa do século XIX. São quatro dramas breves, escritos num curto período, entre 23 de outubro e 6 de novembro de 1830, em Boldino, onde o autor teve de se manter forçado pelo cólera, que grassava na região. Púchkin tensionava escrever dez dramas, ou “estudos dramáticos”, “esboços dramáticos”, ou ainda “experimento com estudos dramáticos”, tal como ele intitulava sua proposta. Acabou escrevendo apenas quatro: O cavaleiro avarento, Mozart e Salieri, O convidado de pedra e O festim nos tempos da peste. Este último, brevíssimo, é uma tradução bastante livre de Púchkin da quarta cena do primeiro ato da peça The city of plague, de John Wilson, e deve ter sido naturalmente inspirado pela circunstância biográfica em que estava envolvido.
Diversas afinidades entre elas levam alguns autores a considerá-las como uma unidade, um ciclo. Em termos formais, elas guardam a mesma natureza: funcionam como esboços, estudos que, sintéticos, levam o espectador diretamente ao problema. Sem se basear em ações, mas em investigações psicológicas dos personagens que, em cena, expõem seus pensamentos, guardam também semelhança de desenvolvimento: uma situação é inicialmente exposta. Súbito, uma revelação desencadeia um impasse absoluto que conduz rapidamente à resolução trágica, sendo a cena suspensa no momento de máxima tensão, como a nos pegar desprevenidos. A uma grande linha horizontal segue-se uma descida vertical abrupta. A aproximação ao movimento romântico permitiu a Púchkin esta liberdade de pesquisa formal e a inauguração do moderno teatro russo, deixando rastros evidentes em Gógol e mesmo num Turguêniev. No plano da linguagem se efetua também uma ruptura radical: a fala dos personagens é coloquial, rompendo com a dicção excludente do teatro clássico. Note-se, ainda, que as peças são “pequenas”, às vezes em mais de um sentido, ampliando a aplicação da noção de trágico.
A análise de cada peça em particular permite ainda vincular algumas a obras precisas. Irineu Franco Perpetuo, em seu posfácio à presente edição, trata em pormenor deste aspecto. Assim, O cavaleiro avarento dialoga com O avarento, de Molière, mas possivelmente também com Montaigne e Shakespeare. O convidado de pedra pode ser aproximado de Don Giovanni, de Mozart, mas também de Don Juan, de Molière, e Ricardo III, de Shakespeare. Mozart e Salieri – que antecipa em 150 anos o filme Amadeus, de Mils Forman – não se baseou em nenhuma fonte, mas nos boatos que, a partir de 1820, começaram a circular em torno do assassinato de Mozart por Salieri.
Pequenas Tragédias – Aleksandr S. Púchkin
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