Leitor voraz e ciumento, um grão-vizir da Pérsia carregava sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética. Em 1536, “A Lista de Preços das Prostitutas de Veneza” anunciava uma profissional que se dizia amante da poesia e tinha sempre à mão algum livrete de Petrarca, Virgílio ou Homero. Na segunda metade do século XIX, em Cuba, os operários de algumas fábricas de charuto pagavam um “Lector”, um leitor que se sentava junto às bancadas de trabalho e lia alto enquanto eles manuseavam o fumo. Lia, por exemplo, romances didáticos, compêndios históricos e manuais de economia política. A ditadura de Pinochet baniu “Dom Quixote”, identificando ali apelos à liberdade individual e ataques à autoridade instituída.A leitura é a mais civilizada das paixões. Mesmo quando registra atos de barbarismo, sua história é uma celebração da alegria e da liberdade.
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De certa forma, todo livro escolhe seu leitor, mas “Uma História da Leitura” parece ter um modo muito particular de exercer essa escolha: talvez com uma ou outra exceção, todos que se dispõem a lê-lo integram a comunidade anônima das pessoas que “gostam” de ler. Por isso, cada uma delas encontra aqui certos fragmentos de sua própria experiência: o encantamento do aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédio), o prazer solitário de ser amigo do peito de Sinbad, o Marujo, de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Como um volume da biblioteca impossível de Borges, o livro de Alberto Manguel contém um pouco da autobiografia de cada um de seus leitores.
E, sem dúvida, também do autor, cuja erudição ao falar de séculos e séculos de história é primeiro filtrada por uma vivência pessoal intensa. A clareza do texto de Alberto Manguel parece refletir uma generosidade, uma vontade compartilhar informações, perspectivas e modos de sentir o ato de ler.
“Ler para Viver”, Flaubert escreveu, ou, na visão de Kafka, “Ler para Fazer Perguntas”. Das plaquinhas de argila da Suméria aos nossos cibertextos, sabemos que a história registra não só uma infinidade de motivações para a leitura, mas também para a sua proibição, como se fosse da natureza da palavra escrita penetrar a intimidade do leitor e fazê-lo agir, fazê-lo mover-se para lugares que só ele é capaz de escolher. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade.
Alberto Manguel é primeiro um leitor, e, nesta condição, se escolheu narrar as conformações da leitura ao longo do tempo, é porque está ciente de quantos tentáculos uma boa história pode ter.