Reputado historiador em temas como nazismo e holocausto, o israelense Otto Dov Kulka passou décadas em silêncio sobre um capítulo sombrio de sua infância. Nascido numa pequena cidade tcheca em 1933 — ano que os nazistas tomariam o poder na Alemanha —, Kulka seria enviado para Auschwitz em 1943. São as impressões daquele menino vivendo uma das experiências-limites do século XX, mescladas à reflexão do escritor maduro, que dão ao livro a sua poderosa carga dramática. Durante dez anos, entre 1991 e 2001, Kulka fez gravações de áudio de suas memórias, evocando passagens daquele sofrimento quase indizível, somente articuladas por ele tanto tempo depois. São cenas e fragmentos fortes, como o coro infantil entoando “Ode à alegria” a poucos metros dos infames crematórios, a presença de sua mãe no campo de concentração, as marchas da morte no inverno. Em meio a esses momentos a prosa de Kulka encontra a beleza e o arrebatamento poético, tornando a leitura do seu livro uma poderosa experiência literária.
É a potência poética do autor, aliás, que organiza e traz sentido a Paisagens da metrópole da morte, texto que por vezes evoca os livros de W. G. Sebald e Elias Canetti ou o documentário clássico de Claude Lanzmann, Shoah. Com sua sensibilidade e poder evocativo, Otto Dov Kulka faz de sua experiência nos campos da morte um triunfo da inteligência e da melhor literatura sobre um dos capítulos mais deletérios da história humana.