A Queda Dum Anjo – Camilo Castelo Branco

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O orador: — Não me lisonjeia o beneplácito do colega. Recolho-me ao assunto, senhor presidente. Lastimo este luxo que vejo em Lisboa! Por toda a parte, oiro, pedrarias, sedas, veludos, pompas, vaidades! Parece que toda esta gente voltou ontem da Índia nas naus que trouxeram as páreas do Oriente! Essas ruas estrondeiam de carruagens, caleches e berlindas, como se cada dia se estivesse comemorando a passagem do cabo tormentório ou o descobrimento da terra de Santa Cruz, atirando às rebatinhas os tesouros que de lá nos vêm. Por entre estas soberbas carroças…   Um deputado: — Carroças são de lixo.   O orador: — E bem pode ser que seja lixo o que vai nelas… Por entre estas soberbas carroças, senhor presidente, vejo eu passar mal arrimados às paredes, e temerosos de serem esmagados, uns homens de aspecto melancólico, e mal entrajados. Nestes cuido eu ver D. João de Castro, que empenhou as barbas, e tem duas árvores em Sintra; Duarte Pacheco, que vai entrar no hospital; e Luís de Camões que vem de comer as sopas dos frades de S. Domingos. Cada época tem centenares destas ilustres vítimas.   Um deputado: — Vê coisas magníficas!   O orador: — E também vejo o dedo do profeta escrevendo na parede o lema daquele devasso festim… (Pausa. O orador conserva o braço em postura escultural, apontando à parede. O presidente acorda estremunhado, com a risada do ministro da fazenda.) O que eu vejo? Quer o ilustre deputado saber o que eu vejo? É a indústria agrícola de Portugal devorada pelas fábricas do estrangeiro; é o braço do artífice nacional alugado à escravidão do Brasil, porque a pátria não lhe dá fábricas; é o funcionário público prevaricado, corrupto e ladrão, porque os ordenados lhe não abastam ao luxo em que se desbarata; é o julgador dos vícios e crimes sociais transigindo com os criminosos ricos, para poder correr parelhas com eles em regalias; é a mulher de baixa condição prostituída, para poder realçar pelos ornatos sua beleza; é a aluvião de homens, inábeis, que rompe contra os reposteiros das secretarias pedindo empregos, e conjurando nas revoluções se lhos não dão. O que eu vejo, senhor presidente, são sete abismos, e à boca de cada um o rótulo dos sete pecados capitais que assolaram Babilónia, Cartago, Tebas, Roma, Tiro, etc. É o luxo, senhor presidente!

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