O ANO DO DILÚVIO – Pensamentos uniformes, comportamentos programados, regimes de exceção, controle social, experiências genéticas e a luta por uma sobrevivência cada vez mais em risco pelo desrespeito à natureza estão em O ano do dilúvio, romance pós-apocalíptico da canadense Margaret Atwood. Se todos os elementos de uma distopia estão encadeados na surpreendente trama criada pela celebrada escritora, o futuro em que a história se situa não parece tão distante da atualidade. É nessa época em que uma seita cultua a defesa ambientalista com fervor religioso, resistindo a uma ordem social que preza o conforto e a tecnologia, que os personagens criados por Atwood tentam mudar o mundo – ou apenas sobreviver nele.
Ambientalista fervorosa, Margaret Atwood tem uma íntima ligação com a natureza desde a infância, quando viveu nas florestas canadenses por conta do trabalho do pai, biólogo. Durante sua viagem à Europa, em 2009, para promover O ano do dilúvio, cercou-se de cuidados a fim de que a turnê fosse “o mais verde possível”. Além de adotar alimentação vegetariana, hospedou-se e fez eventos apenas em locais que tinham uma política de conservação ambiental, preferiu usar trens a automóveis – a fim de reduzir as emissões de carbono – e atravessou o Atlântico Norte de navio.
Escritora versátil, que transita em diferentes gêneros literários, Atwood já havia abordado a sociedade distópica na novela Oryx e Crake. Ela retoma o tema em O ano do dilúvio, livro que classifica como uma “ficção especulativa”, já que o planeta enfrenta, atualmente, as mesmas condições adversas que seus personagens. O romance se inicia no Ano 25, o Ano do Dilúvio Seco, termo com que os personagens se referem à epidemia que matou muitas pessoas. Não há descrição sobre o tipo de doença, sabe-se apenas que um de seus sintomas é a tosse.
Os sobreviventes estão divididos entre os que preferem o mundo de prazeres artificiais, no qual os shopping centers e os spas voltados para a estética são reverenciados como templos, e os que buscam um retorno à vida naturalista. Concorrendo na conquista desses sobreviventes, estão a seita ecológico-religiosa dos Jardineiros e corporações como a CorpseCorps, que detém o conhecimento científico e tecnológico e se esforça para manter o controle de toda a sociedade.
Dois personagens, Toby e Ren, dão pistas do desastre: um mundo dividido entre os ricos moradores dos condomínios artificiais que trabalham com biogenética; miseráveis e imigrantes, que vivem nas ruas da Plebelândia; e ecofanáticos, que lutam contra experiências genéticas e o consumismo desenfreado.
A degradação, o temor e o instinto de sobrevivência caminham juntos no cenário de desesperança traçado por Margaret Atwood em O ano do dilúvio. Nesta trama perturbadora, sombria e extremamente atual que reflete sobre a ilimitada capacidade humana para dizimar sua própria espécie, há espaço, porém, para valores como a lealdade, o afeto e a amizade.